Por Tânia Rabello
Quando chegasse o momento de se despedir deste mundo, Ana Primavesi, sempre prática e direta, determinava de antemão: não queria saber de tristeza no velório e enterro, contou o seu filho, Odo Primavesi, também engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa.
E foi exatamente assim que aconteceu. Sua derradeira vontade foi respeitada neste domingo (05.01.2020), no Cemitério de Congonhas, na capital paulista. Houve lindas músicas, orações, homenagens e falas representativas do que Ana Primavesi, falecida na madrugada de sábado para domingo, aos 99 anos, significa e continuará a significar para a saúde do planeta Terra.
E todos os que ali compareceram com certeza saíram com a sensação de que o seu legado, no sentido de estimular uma agricultura saudável, sistêmica, cuidando da saúde e da vida do solo, terá continuidade pelas mãos de seus filhos, Carin e Odo Primavesi, além de lavradores, pesquisadores, engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas, professores e ativistas da agroecologia, inspirados em seus conhecimentos, sistematizados em vários livros que têm sido relançados pela editora Expressão Popular.
“Nosso jatobá sagrado tomba, quase centenário. Ele abre uma clareira imensa que proporcionará ao solo debruçar-se sobre uma nova etapa, a da perpetuação da vida”, citou a geógrafa Virgínia Knabben, biógrafa e criadora do site de Ana Primavesi. “Antes de tombar, nosso jatobá sagrado lançou tantas sementes, mas tantas, que agora o mundo está repleto de mudas vigorosas, prontas a enfrentar as barreiras que a impediriam de crescer. Essas mudas somos todos nós.”
Especialmente emocionante, em Congonhas, foi a presença de quem mais entusiasmou Ana Primavesi neste quase um século de vida, e a quem ela ensinou, instruiu, revelou os segredos do solo e como recuperá-lo, reavivá-lo e manejá-lo para obter colheitas saudáveis e limpas: os agricultores, representados ali pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). Graças a esses ensinamentos, o MST se tornou uma potência agroecológica no País.
Mas não só ao MST ela ensinou. Percorreu por anos o Brasil e outros países, dando palestras, cursos, difundindo sua ciência certeira para possibilitar a conversão para uma agricultura mais limpa.
E com que conhecimento, aliado à simplicidade, ela transmitiu sua ciência. Este é o aspecto que mais se ressalta em qualquer homenagem que ela tenha recebido em vida ou, a partir de agora, póstuma. E certamente essas homenagens continuarão. Pois quem lida com agricultura, seja ela agroecológica ou convencional, tem, cada vez mais, a percepção de que o conhecimento científico deixado por Ana Primavesi representará uma volta segura a métodos mais limpos de se fazer agricultura. Afinal, ela sempre ensinou e comprovou, com convicção inabalável, a viabilidade produtiva de cultivos sem o uso de agrotóxicos ou adubos químicos. “A agricultura proposta por minha mãe preserva a vida. A da Revolução Verde: (que preconiza o cultivo com base no tripé agrotóxicos-adubos químicos-sementes transgênicas) é feita em solo morto”, reforçou Odo, no velório.
“Não existe solo rico ou pobre; existe solo vivo ou morto”, ensinava essa austríaca de nascimento, mas que adotou o Brasil há 70 anos, quando veio para cá com seu marido, o também agrônomo Artur Primavesi. Com estudos voltados primordialmente ao solo, aos seus nutrientes e aos micro-organismos que nele vivem sob intrincadas relações, entre si e com as plantas, Ana Primavesi demonstrou a importância de se manter um solo fértil, biodiverso e saudável para garantir plantas vigorosas e nutritivas. E, por consequência, para proporcionar saúde aos animais – inclusive nós, seres humanos – e toda a vida na Terra, enfim.
“Sempre que tenho problema com alguma planta, tento entender o que eu fiz de errado com o solo”, cita um agricultor na página do Facebook de Ana Primavesi. Já outro depoimento descreve: “Faltava cobre. As plantas estavam grandes, folhosas, pareciam vigorosas, mas estavam frágeis... E Ana Primavesi me indicou que pulverizássemos com calda bordalesa ou puséssemos um pouco de sulfato de cobre na terra. Foi como um milagre.”
Assim, com um conhecimento profundo, mas transmitido de maneira simples e fácil de entender, que Ana Primavesi atuava em sua prática no campo, e inclusive no seu sítio, em Itaí (SP), que recuperou e manteve por décadas, até que o avanço da idade não lhe permitisse mais ficar ali. Outra frase, também extraída da página dela no Facebook, resume, sem exageros – o que poderá se comprovar cada vez mais: “O trabalho de Ana Primavesi influenciará positivamente a agricultura mundial nos próximos milênios”.
Oxalá. Vá em paz, Mestra da Vida.
Visite seu site e acesse todas as suas publicações: https://anamariaprimavesi.com.br/
FOTO: L.C. LEITE