Crianças e nosso trabalho

Crianças e nosso trabalho

Conceição Trucom*

Em agosto de 2011 estive em Brusque/SC e me encontrei com a Valquíria, uma linda pessoa que está, voluntariamente, organizando as vendas de uma cooperativa de produtores rurais de orgânicos. Ela colocava em suas argumentações sobre o valor dos orgânicos, o fato do trabalho no campo ser árduo e de que poucos o desejam realizar.

E também das dificuldades que as pessoas do campo têm de abandonar suas propriedades e deixar de viver da terra, já que os custos da cidade grande seriam muito maiores do que os gastos de subsistência que têem.

Em outras palavras, fica uma quase certeza de que o jovem que vive no campo, seria urbano se oportunidades tivesse. Largaria o trabalho duro da lavoura e com os animais, sem fim de semana ou feriado, para 'curtir' todas as benécias da cidade.

No momento que parei para refletir sobre esta nossa conversa, pensei: sim o trabalho na lavoura é duro, mas é muito digno. Já o tempo que nossas crianças ficam em frente da TV, jogos eletrônicos, faces, twitters etc., é uma 'curtição' que não os engrandece ou os torna mais dignos.

O texto abaixo me chegou quando retornei desta viagem e me pareceu caído do céu, pois fala exatamente do quanto TODOS deveriam estar envolvidos com a natureza e a subsistência...

Mas, antes de passar a palavra ao William, desejo colocar este texto: 

Quando Mihaly Csikszentmihalyi (psicólogo húngaro) pesquisou sobre adolescentes, descobriu que aqueles que tinham menos atividade fluida, que viviam na frente da tevê e perambulavam pelos shopping centers, alcançavam baixos níveis de satisfação, enquanto aqueles que estudavam e praticavam alguma atividade esportiva ou criativa alcançavam altos ní­veis em todas as avaliações - todas menos uma. Eles acreditavam que os ratos de shopping e viciados em tevê se divertiam mais que eles. Na verdade, estavam demasiado influenciados pela tirania do 'legal' para perceber que eles eram os abençoados. Este é um exemplo que confirma a regra: a juventude raramente valoriza o que tem.


 Por William Coperthwaite 

No século passado, Bondaref inventou o termo 'Trabalho de Subsistência'. É o trabalho essencial para garantir a sobrevivência do homem, como produzir e preparar alimentos, fazer roupas, construir moradias ou cuidar das crianças.

Crianças e trabalho

O exemplo é muito importante para a criança que está crescendo. Hoje, na nossa cultura, são poucas as crianças que crescem vendo adultos satisfeitos com o trabalho que fazem. As crianças adoram imitar os adultos trabalhando. Por isso, nós as prejudicamos quando:

•Trabalhamios onde elas não podem nos ver (em fábricas ou escritórios).

•Fazemos um trabalho que não gostamos e em que não acreditamos.

•Falamos do trabalho como uma coisa que deve ser evitada.

Tive a sorte de crescer no meio de gente que gostava de trabalhar com as mãos, com a mente e com o corpo. Não eram muitos, porém, em número suficiente para que eu percebesse que havia mais de um caminho neste mundo. Eu especialmente admirava três pessoas pela sensibilidade que demonstravam, pela visão intelectual que tinham, pelo trabalho que realizavam com as mãos e pelo empenho com que procuravam criar um mundo melhor: Morris Mitchell, presidente da Putney Graduate School of Education que, além das funções na direção da escola ainda se dedicava à marcenaria e à jardinagem; Walter Clark, co-fundador da North Country School, que trabalhava com igual prazer na sala de aula, no jardim ou na roça; Scott Nearing, que aos 99 anos de idade ainda cortava lenha e que, durante sua longa e proveitosa vida, tinha conseguido conciliar a tarefa de escrever e apresentar palestras com a tarefa de cuidar de jardins.

Esses três homens mostraram como vivem uma vida adulta responsável. Foram exemplos vivos de que o trabalho pode ser agradável e que o grande desafio à nossa frente é a busca de uma vida melhor para toda a humanidade.

Para termos segurança e bem-estar, precisamos nos sentir úteis e necessários. Isso serve para todas as idades. Geralmente, esquecemos dos jovens e dos velhos. Com medo de sobrecarregá-los (ou por achar que não precisar trabalhar indica uma posição social superior) saímos de um extremo e caímos no outro. Antes, obrigávamos crianças a trabalharem em fábricas e minas - agora, não as deixamos fazer nada. Retiramos os velhos do trabalho pesado e os levamos para casas de repouso. Tanto um extremo como o outro ignora os desejos e as necessidades das pessoas envolvidas. O trabalho é uma das melhores formas para a criança aprender, crescer, sentir que faz parte e que é um membro útil da sociedade. Para a pessoa mais velha, realizar um trabalho adequado à sua natureza e capacidade dá um sentido à vida, uma sensação de participação que é muito importante na idade avançada.

É essencial trabalhar

A atitude tradicional é achar o trabalho pesado um mal necessário e que talvez (sob um ponto de vista radical), possa ser compartilhado - algo feito por uma questão de obrigação. Definitivamente, não é algo de que devemos gostar. Mas, e se estivermos errados? E se o trabalho, as tarefas essenciais de todo dia forem um elemento importante para compreendermos a nós mesmos e o mundo em que vivemos? E se a criatividade, para não ser diletantismo, se basear no trabalho?

Mas, o que os homens fizeram com a terra prometida - a terra que nos foi legada - é de fazer os deuses ficarem vermelhos de vergonha. Nem a criança que quebra um brinquedo, nem o animal que destrói o pasto e suja a água que irá beber, tampouco o pássaro que emporcalha o seu ninho, são mais tolos. Oh, os arredores miseráveis que circundam nossas cidades. Feiúra, discórdia, mau cheiro! Penso nos belos jardins que poderiam rodear nossas cidades se tivéssemos um pouquinho de compreensão e amor - penso em como seria o lazer! E o trabalho, o próprio trabalho redimido, resgatado de sua maldição primitiva. (André Gide)

O trabalho positivo, produtivo, realizado com amor, essa é a nossa maior necessidade. A obrigatoriedade envenenou o trabalho. Quando o trabalho é realizado por livre escolha, pode se tornar estímulo para a mente, compreensão do significado da vida, oportunidade de meditação. O trabalho mecânico e insípido que é imposto entorpece a mente, enquanto o trabalho escolhido livremente pode ser a atividade libertadora.

Há um aspecto importante do trabalho quase sempre mal-entendido. Algumas pessoas aprendem a fazer o trabalho de subsistência com muita eficiência. Elas executam sua parte, mas acham menos importante que a arte, o pensamento, a pesquisa ou a criatividade. Eu protesto. O trabalho de subsistência é uma atividade básica da vida, igual ou mais importante do que essas outras atividades. Sem trabalho básico, elas nem existiriam. Esquecemos também que o trabalho faz as pessoas entrarem em contato mental com forças fundamentais.

A moral por trás do conceito de trabalho de subsistência é que existe uma quantidade de trabalho básico que precisa ser executado. Quando é dividido igualmente por toda a população, ninguém fica sobrecarregado e todos se sentem bem, sabendo que estão contribuindo para o bom funcionamento da sociedade. Alguns não podem trabalhar - são muito velhos, muito jovens ou muito doentes. Isso é natural. Mas, que pessoa capaz gosta de se sentir dependente ou um parasita, incapaz de se sustentar?

Gandhi fez do trabalho de subsistência um elemento básico de sua vida diária. Ele escolhia de propósito as tarefas que ninguém queria fazer, aquelas que eram da classe mais baixa - varrer o esterco das ruas e limpar as privadas. Na opinião dele, se queremos construir uma sociedade sem diferenças de classes, onde todos sejam iguais, então, os mais livres, os mais ricos, os mais fortes, os mais sábios e os mais respeitados devem fazer, voluntariamente, as tarefas mais desprezíveis. Assim, ajudaríamos a derrubar os preconceitos de classes e a fazer do trabalho, hoje desprezível, uma ocupação almejada.

Se queremos que outros trabalhem para nós, para que nós não trabalhemos, estamos explorando os outros e, basicamente, apoiando a violência. É uma vida feia, destrutiva, parasitária.

Trabalhar sem amor

Uso o termo prostituição para falar da venda do próprio ser. Durante muito tempo, esta palavra significou apenas a venda de sexo. Igualmente nociva é a venda da mente, do talento criativo e do trabalho. Se está errado entregar-se sexualmente sem amor, também está errado dar esforço, pensamento, tempo e talento sem amor pela atividade que exige tudo isso. Quando não gostamos do que fazemos, mas continuamos a fazer por dinheiro, isto é prostituição. E, a forma mais comum de prostituição é a venda do nosso trabalho. A venda do trabalho passou a ser a norma, criando um ambiente muito perigoso que afeta a criança que está crescendo.

O primeiro passo para modificarmos essa situação é determinar até que ponto nos prostituímos. Se encaramos com honestidade a vida que levamos, podemos chegar a um ponto em que a auto-exploração não é mais necessária.

Uma razão para levarmos uma vida simples é que, ao trabalhar apenas para suprir as necessidades básicas, precisamos de menos tempo na produção. Se todas as pessoas capazes contribuírem com seu esforço, menos tempo cada uma vai gastar - e o tempo de prostituição será reduzido proporcionalmente. Considerando o desejo que muitos têm de preencher seu tempo livre construindo sua casa, produzindo seus alimentos, fazendo consertos, costurando suas roupas - o número de horas dedicadas ao trabalho comunitário será ainda menor.

É possível que algumas pessoas fiquem com a impressão de que tudo na vida é trabalho pesado. Não é verdade. Se as tarefas essenciais fossem distribuídas imparcialmente, o trabalho seria a parte bela e estimulante da vida. A felicidade reduz o esforço necessário para realizar qualquer tarefa. Assar pão pode ser uma experiência maravilhosa. Mas, se a pressão do trabalho for demais, se o retorno for pequeno demais, se o ambiente for hostil e os ingredientes de má qualidade, assar o pão se torna um trabalho insuportável.

Se cada adulto contribuísse com o trabalho de subsistência, Gandhi achava que duas horas por dia seriam suficientes para realizar todas as tarefas básicas necessárias.

Trabalhar por prazer

Vamos imaginar um mundo onde a maior parte do trabalho é realizado com prazer, para nos sentirmos úteis, pela vontade de aprender. Cada um teria que realizar o seu próprio trabalho (ou convencer os outros a fazer uma troca de trabalho). Se ninguém trabalhasse apenas por dinheiro, qual seria o impacto moral, social e econômico? O trabalho com certeza seria feito, mas não por coerção, nem por suborno. Seria feito por prazer. Não haveria relação entre o trabalho e a renda. As pessoas trabalhariam por prazer não por pagamento.

Se todos se recusassem a trabalhar para quem tem dinheiro, o dinheiro se tornaria inútil e todos teriam de trabalhar para si próprios. Desta forma, o conceito de classe social baseado na economia iria desaparecer. Geralmente pensamos na redistribuição de renda como resultado de impostos ou de revolução. Imagine uma mudança social provocada por uma população responsável que se recusa a trabalhar simplesmente por dinheiro.

Quando as pessoas fazem o trabalho que gostam, o resultado aparece de duas formas: temos uma sociedade mais feliz e o trabalho realizado é de melhor qualidade.

Em resumo: Para algumas pessoas, trabalhar é penoso, é prostituir-se para ganhar a vida. Para outras, o trabalho representa a atividade produtiva e criativa que torna a vida humana possível.
Quando as tarefas essenciais são compartilhadas por todos, não representam um trabalho desumano. O trabalho é uma ferramenta de aprendizado interessante e tremendamente estimulante -  quando feito voluntariamente e em quantidade que não cansa o espírito.
 
Extraído do artigo "Bread labour", publicado no semanário El Sereno Station, Los Angeles, Califórnia. 
Revista ComTAPS, número 3, 1991. Site: www.taps.org.br
 
Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autoria e a fonte.

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