Sagrado Feminino, Cultura Indígena & Meio Ambiente

Guilherme Trucco *

Maio foi o mês todo em celebração às Mães, e junho celebramos o Meio Ambiente... Energias Sagradas, encantadoras, e bem conectadas com o Feminino.

E, falando sobre Sagrado Feminino, me lembrei deste conto oral de tradição do Povo Suruí, da Amazônia. Como muitos dos contos orais indígenas, ele tem caráter etiológico, ou seja, explica o "porquê" as coisas são como são hoje em dia. 

Neste conto, há um claro ensinamento sobre a Sacralidade da Natureza como Mãe Ancestral, como Ente Vivo que é, ligada ao Sagrado Feminino, e como, no momento em que deixamos de lado a visão do encantamento sobre a natureza, ela perde seu caráter sagrado, e vira apenas um recurso econômico, um pedaço de lenha seca no chão.

As mulheres-árvores 

Uma vez, há muito tempo, o chefe índio Palop, avô antigo das aldeias, pediu a um jovem que fosse buscar lenha para o fogo. Neste tempo ainda não existia lenha como existe hoje. Mas, o jovem não sabia disto. Palop entregou-lhe um cesto e ele partiu para a mata. 

O jovem andou, andou, andou, e não viu lenha alguma no chão para catar. Viu apenas uma índia lindíssima, toda enfeitada com adornos de madeira. O jovem ficou encantado com a moça, e conversou com ela. A linda jovem disse se chamar Betikai, que é o nome de uma árvore da qual se faz um enfeite de madeira - o tembetá - que é colocado nos lábios.

O jovem disse à moça que tinha que ir andando, pois Palop pediu-lhe que catasse lenha. E assim continuou andando mais e mais. 

Depois de um tempo, encontrou na floresta outra moça ainda mais linda que a primeira. Aproximou-se dela, impressionado com a sua beleza. Ela disse se chamar Mekirakai, também o nome de uma árvore enorme. Ele disse que estava procurando lenha e que tinha que partir, embora tivesse vontade de ficar ali, conversando com a moça. 

O jovem partiu mata adentro, e encontrou uma terceira moça bonita, sozinha, de pé. Esta também disse seu nome, que era o mesmo de uma árvore. Da mesma forma ele partiu, e assim encontrou mais outra moça, e outra, e mais outra, todas com nomes de árvores. Mas, lenha mesmo, ele não viu nenhuma. Então ele voltou para a aldeia. 

Palop, o avô das aldeias, exclamou: 

- Ó, meu menino, você não achou lenha? Fica ali mesmo na mata! 

- Eu não achei lenha nenhuma! Só moças bonitas! disse o jovem. 

- Mas essas moças é que são a lenha! disse Palop. Você tem que cortá-las com o machado de pedra, e verá que elas caem na forma de lenha. Você não pode ter pena de cortá-las, mesmo sendo elas tão bonitas.

O jovem voltou para a mata, meio disposto a cumprir o que Palop dissera. Mas, ficava pensando: Como é que ele podia usar o machado naquelas moças-árvores tão lindas? Como é que ele poderia matar coisas tão encantadas? Isto seria uma pena! 

Ele viu a primeira moça, ela ainda estava lá, graciosa. Ele não teve coragem de cortá-la. Foi até a segunda, e também não teve coragem. Nem teve coragem de cortar a terceira, nem a quarta, nem qualquer uma delas. Essa tarefa seria impossível! 

Anoiteceu, e ele estava sentado na mata, pensando no que diria a Palop por não ter conseguido cortar as moças-árvores. Como destruir coisas tão belas? 

Nisso, surgiu uma outra moça, a qual ele ainda não tinha visto. Era linda, como as outras, e tinha no pescoço um colar muito colorido de muitas contas: mais parecia uma flor, de tão bonita. O coração do jovem bateu apressado, pois ele sabia que teria que matar aquela árvore-moça. Ele perguntou a ela onde estava indo. 

- Estou indo buscar frutinhos na floresta, disse a moça-árvore. 

- Ah, então me deixe ir com você, solicitou o jovem. 

E ele a seguiu, caminhando por detrás dela. Em determinado momento, com muita dó, deu-lhe uma machadada e ela caiu, num estrondo, como um tronco seco de lenha, perdendo a forma encantada de moça. 

O jovem encheu o cesto de lenha e levou para Palop.

Desde esse dia, nunca mais faltou lenha, mas nunca mais ninguém viu as árvores em forma de moças, todas viraram lenha.

Guilherme Trucco é escritor paratiano, sua obra é inteiramente dedicada a explorar a cultura popular da brasilidade, e seus desdobramentos profundos, através de uma literatura ficcional voltada para o Realismo de Encantaria, uma mistura à brasileira de realismo mágico, realismo animista e o surrealismo. É autor dos livros de ficção: Saída Bangu, Vocês vão ter que me engolir, e Nó na Garganta, além de ser colunista no portal Ludopédio.
Seu Blog: https://www.guilhermetrucco.com e seu Instagram: @gui_trucco

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