Cadê a Infância que estava aqui?

O gato comeu!       

Ângela Maria Costa*    

O ser humano não nasce pronto para a vida natural. Por isso é considerado, ao nascer, o animal mais imaturo e dependente dentre todos os animais. Apesar de nascer com pés e mãos e com todos os seus sentidos (visão, audição e tato), tal como outros animais, necessita de pelo menos oito anos de cuidados e atenção da mãe, da família ou de substitutos, para poder sobreviver, em seu meio natural. Precisará, portanto, passar por um 2º nascimento, emergindo da vida natural para imergir no mundo da cultura recebido como herança do grupo do qual faz parte.

Estudos também revelam que ser criança não significa, necessariamente, ter infância. O historiador francês, Philippe Àries, revelou em seu estudo – História Social da Criança e da Família - que o conceito de criança não está relacionado com o de infância, porque, enquanto a criança existe desde o nascimento do primeiro ser humano, a infância é uma construção social que só passou a existir nos séculos XVII e XVIII. Considerada uma das grandes idéias da Renascença. Na Idade Média as crianças tinham um papel social mínimo e eram geralmente representadas como “pequenos homens”, tanto na vestimenta quanto na participação na vida social. Tiveram que se adaptar e viver em um mundo que não era seu, nem fora feito para o seu tamanho. A própria permissão de compartilhar o mundo adulto representava, de fato, a própria ausência de direitos da criança.

A partir desses estudos, pode-se afirmar que o conceito de infância altera-se, historicamente, em função de determinantes sociais, culturais, políticos e econômicos. O seu entendimento dependerá sempre do contexto em que estiver inserido.

O que significa, então, ser criança nos dias de hoje - século XXI? Como situar a infância nesse contexto?

Nossa sociedade tem uma visão adultocêntrica da criança, isto é, uma visão redutora da criança, a criança como um – vir a ser – um ser inacabado e incompleto que precisa amadurecer e evoluir. Que precisa se educar segundo nossos próprios modelos. Foi assim que fomos apagando a infância de nossas crianças e caindo nas armadilhas culturais de nosso tempo.

Hoje o que se vê são crianças sobrecarregadas de atividades, aulas de balé, inglês, natação, futebol, computação; sem tempo para brincarem; vestindo roupas; cantando e dançando músicas de adultos (erotizadas), jogando jogos de adultos pelo prazer da competição. Estão cada vez mais cedo em contato direto com a mídia, videogames e com o computador. Será que esses fatos não nos levam ao questionamento: não estaríamos voltando à Idade Média?

Sim! Acabamos com a infância e por conta disso podemos perceber nos comportamentos das crianças os resultados: crianças hiperativas (déficit de atenção); agressivas; estressadas; com depressão; tristes e apáticas. Onde está a infância em nossa sociedade? E nas escolas? Quem é essa criança? O que é educação? A antecipação da idade para as crianças entrarem no Ensino fundamental (5 anos), com a priorização da leitura e da escrita desde o maternal com crianças de 2 anos, demonstram também a cumplicidade da escola com o fim da infância .

É triste constatar que ser criança hoje não significa ter infância e que estar em uma instituição de educação infantil não significa ter infância! Permitir que uma criança seja infantil é a melhor pré-condição para que ela se torne realmente um indivíduo pleno, e não somente parte de uma sociedade organizada. Proteger a infância, lutar pelos direitos da criança, pelo direito de ser criança, pode nos ajudar a descobrir novamente, dentro de nós, as qualidades infantis (honestidade, confiança, compaixão) trazendo-as para o mundo adulto, a fim de humanizar nossa cultura.

Em tempo, dia 31 de maio é comemorado o Dia Internacional do Brincar. De quê nossos filhos brincam hoje? Em nossa infância brincamos muito, de roda, de pique, amarelinha, cabra-cega, e todas essas brincadeiras foram repassadas oralmente, para nós, de geração em geração. E Nós?!

Quando o mundo inteiro comemora o Dia do Brincar, importante e necessário fazer essa reflexão.

* A Profª Drª Ângela Maria Costa é Coordenadora do Núcleo da Aliança pela Infância
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Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autoria e a fonte www.docelimao.com.br 


 

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