Uma Outra Cozinha - In Natura

Lilliane Pelegrini *

Cada vez mais popular e vertente do vegetarianismo, dispensa cozimento a favor do total aproveitamento da energia vital dos alimentos.

Quando se imagina a ge­ografia de uma cozinha, invariavelmente vem à cabeça fogão e geladeira alocados em pontos estratégicos. Para uma corrente cada vez maior de pessoas, esse conceito já faz par­te de um passado distante, subs­tituído pela cozinha viva, uma filosofia dentro da gastronomia natural, mais especificamente do crudivorismo, que dispensa o cozimento e a armazenagem no preparo dos alimentos.

Uma das pioneiras na pesquisa e na difusão dessa vertente do ve­getarianismo no Brasil, a professora Ana Branco, do departamen­to de artes e design da PUC-RJ, explica que a cozinha viva é uma busca não só por uma alimen­tação mais saudável, mas pela energia vital que move os seres. "Para um artista, a grande questão é o processo criativo e, para ser original, nós precisamos bus­car as nossas raízes, as informa­ções matrísticas da nossa origem, precisamos saber quem é esse ser humano que a história desnaturou", afirma a professora, ao estabelecer o que a motivou nas pesquisas acerca da cozinha viva.

Em seus estudos, baseados na obra do neurobiólogo chile­no Humberto Maturana, Ana Branco encontrou explicações químicas que endossaram seu pensamento. "O alimento cozido desencadeia uma guerra dentro de nós. No cozimento, é libera­da a acrilamida, substância que é um veneno letal para o nosso organismo e que há 4 mil anos vem escravizando o ser humano. O cozimento surgiu nessa épo­ca para favorecer as guerras. Os reis, nos castelos, comiam tudo fresco. Os soldados, cada vez mais distantes das suas casas, recebiam comidas podres, que eram cozidas para disfarçar o mau cheiro", explica Ana Bran­co. "Desenvolvemos um modo de sobrevivência a partir dessa comida apodrecida, sem energia vital, que acidifica nosso sangue e impede que as células, que precisam de ambiente alcalino, funcionem plenamente. Gasta­mos toda a nossa energia para nos livrar da acrilamida", afirma.

Na cozinha de sua casa, Ana Branco não tem fogão e nem geladeira. "Essa cultura do armazenamento também é fruto das guerras e do medo da escassez. Nós não precisamos disso", ga­rante a professora. A semente germinada é a base da alimen­tação que Ana difunde em cur­sos por todo o Brasil e também no exterior. "Nosso país possui uma riqueza muito grande de sementes que, germinadas, são proteínas de primeiro quilate. Todo esse universo é fácil e comercializa­do. É possível uma diversidade alimentar maior a partir das se­mentes do que a partir das car­nes", afirma, rebatendo, inclusive, os que insistem em dizer que a alimentação vegetariana desen­cadeia um déficit de proteínas no organismo. "Isso é um blefe, uma campanha sustentada por criadores de gado que não que­rem perder mercado", alfineta.

A partir das sementes germina­das, Ana Branco diz ser possível elaborar pratos diversos: tortas, doces, molhos e até mesmo re­fogados, só que feitos com o contato do calor do corpo com os alimentos. A grande estrela da cozinha viva é o suco da luz do sol, bebida rica em nutrientes e oxigênio, feita à base de sementes germinadas e sem adi­ção de água. "O suco da luz do sol promove uma regeneração surpreendente no organismo", afirma a professora. Um caso re­cente superou as expectativas até mesmo de Ana Branco, que já assistiu a muitos casos em que a mudança alimentar desenca­deou uma renovação total em quem a assimilou. "Uma senhora de 70 anos, com grave problema de enfisema pulmonar e prestes a tomar o máximo possível de cortisona, chegou até mim em busca de uma solução mais natu­ral. Apresentei a ela o suco da luz do sol e ela foi assistindo, pouco a pouco, o próprio organismo se renovando. Isso mostra o quanto as pessoas esqueceram a capaci­dade de regeneração que nós, como seres vivos, temos. Tudo hoje é remédio. Esqueceram da capacidade milenar de cura das plantas, das ervas".

Mudança de hábitos

Segundo a professora Ana Bran­co, as pessoas estão despertan­do para a importância de uma alimentação mais natural, tanto pela saúde quanto pela necessidade de pre­servação ambiental. "Esta­mos num momento muito transformador e as pessoas já estão vendo essas trans­formações, a falência de todo o sistema darwiniano, mecanicista e cartesiano que está ai". Há uma preocupação em encontrar uma vivência mais orgânica. As pessoas acabam mudando os hábitos, seja pelo amor, seja pela dor", avalia ela, citando dados impressionantes. "Cada quilo de carne bovina, por exemplo, consome cerca de 15 mil litros de água. Há mais ani­mais para o abate no mundo do que seres humanos vivendo dig­namente. Os animais são criados de forma estúpida, consomem grande parte do oxigênio e da água potável, cada vez mais poluídos.

Quem opta por abraçar a cozi­nha viva, de fato terá um desafio a cumprir, dada a necessidade de reeducação de hábitos ali­mentares e até mesmo comportamentais. "Como as toxinas da alimentação cozida tem efeitos de uma droga para o corpo, a pessoa tem que ter consciência dessa dependência. Por isso, o processo não é fácil", alerta Ana.

Hoje uma colaboradora na divul­gação da prática e dos benefí­cios da cozinha viva e discípula do conhecimento que vem sen­do popularizado por Ana Bran­co, Jane Susie (colaboradora do Doce Limão) sabe o que é esse processo de mudança. Até 2001, ela não imaginaria que sementes germinadas mudariam sua vida. "Foi nesse ano que tive o primei­ro contato com a germinação de sementes. Fiquei encantada logo de cara. Comecei a desen­volver algumas coisas a partir delas, mas tudo ainda muito discreto. Assisti a uma palestra da Ana Branco e saí de lá com von­tade de abolir completamente o cozimento da minha vida", narra Jane, que já não comia carne há uns anos, mas era uma chocólatra inveterada - vício que hoje não tem mais. Dois anos mais tarde, já estava germinando se­mentes. E, no ano passado, uma vivência de seis meses no Rio de Janeiro, junto com um grupo coordenado por Ana Branco, fez com que Jane mergulhasse to­talmente no universo da comida crua e viva.

Desde que voltou a Belo Hori­zonte começou a dar aulas em que transmite a experiência e os conhecimentos adquiridos durante a imersão no grupo carioca. "Já estou finalizando a sexta turma", comemora, contando que seus cursos vêm sendo cada vez mais procurados. E isso tudo no boca-a-boca. "Vejo que há cada vez mais pessoas preocupadas em mudar hábitos de vida, em se equilibrar e em ter uma consciência maior de integração com a natureza", comenta Jane. Em cada uma de suas turmas, ela reúne em média 20 alunos, número bastante considerável, principalmen­te tendo em vista que não há divulgação oficial do tra­balho.

Além dos prazeres que experi­menta em seu corpo desde que se tornou diletante da cozinha crua e viva, Jane Susie conta que se sen­te muito estimulada ao perceber a surpresa dos alunos com o re­sultado de receitas feitas fora do sistema tradicional de cozimen­to. "Em uma das aulas, em que o tema era a fermentação, um dos alunos disse que detestava coisas fermentadas. Expliquei o proces­so, ensinei a parte teórica e deixei que cada um fizesse a prática. Ao final, com tudo pronto, esse mes­mo rapaz experimentou e admi­tiu ter se surpreendido e gostado muito. As pessoas só entendem quando provam", conta Jane.

Longo Caminho

A cozinha crua e viva ainda é um cam­po de pesquisa que pode ser amplamente explorado. Ainda há poucos estudos, por exem­plo, sobre os efeitos do cozimen­to nos alimentos e, consequentemente, nos organismos que consomem esses alimentos. O principal e mais recente estudo é o da nutricionista Valéria Neri, da Fundação Oswaldo Cruz. "O livro mais antigo em relação à acrilamida, por exemplo, data do ano 2000", cita Ana Branco.

Pode não ser muito extensa, mas já há uma bibliografia bastante consistente para quem busca conhecer mais a cozinha crua e viva. "A base de todo nosso conheci­mento está na obra do chileno Humberto Maturana", comenta Ana Branco, que é também sua referência bibliográfi­ca. Outro livro que se tornou referência para os que buscam informações sobre o assunto, lançado em 2006, é "Lugar de Médico é na Cozinha", em que o gastroenterologista Dr. Alberto Peribanez Gonzáles propõe, de maneira acessível, a harmonização de corpo, mente e alma a partir de uma alimenta­ção saudável.

A internet é outro meio de divul­gação da cozinha crua viva. No Brasil e, principalmente, no exterior, páginas têm sido criadas com o objetivo de trocar conhecimen­to, receitas, depoimentos. É o caso do portal www.cozinhaviva.com, capitaneado por Leo Tolentino. Com base no conhecimento ad­quirido desde 1974, quando mu­dou sua alimentação e passou a pesquisar diversas vertentes do vegetarianismo, Leo Tolentino faz do site um palco para troca de experiências. Além de dar o seu próprio depoimento, ele abre espaço para que internautas o façam e ainda mostra seus experimentos em agricultura or­gânica e no preparo de alimen­tos de acordo com os preceitos da cozinha crua e viva. "Criar este site com amigos é uma contribui­ção que dou para as pessoas no Brasil terem em português as in­formações que tive que pesqui­sar muito para ter, sobre como comer saudavelmente comida cura e viva", comenta Leo Tolentino.

Todo esse intercâmbio de infor­mações parece fazer parte do que Ana Branco chama de despertar. "Não é uma questão de escolha, é uma questão de acor­dar para a falência desse sistema em que vivemos", enfatiza.
 
* Lilliane Pelegrini - Verdemar em Revista / MGações, citada a autoria e a fonte.


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