Por Leomar Daroncho* - Carta Capital

A OMS considera os 800 mil suicídios anuais um problema de saúde pública mundial. De 1990 a 2007 cerca de 30% dos suicídios foram atribuídos à intoxicação por agrotóxicos, com destaque para os países pobres, mais permissivos a produtos agressivos.

No período Medieval, tanto o Direito Canônico quanto o Secular reprovavam o suicídio, tentado ou consumado, com restrições ao funeral, sacrifícios e confisco de bens, reforçando o tabu. Ao atentar contra um dom sagrado, o suicida atentava contra a sociedade, a Natureza e Deus.

A ideia de que tudo está conectado na Terra, nossa casa comum, foi resgatada pelo Papa Francisco na Encíclica “Laudato Si”, que incorpora a preocupação com os insumos químicos da agricultura com a advertência de que o homem é parte da natureza.

Na área da saúde coletiva há robustas pesquisas relacionando o suicídio de trabalhadores rurais com a intoxicação aguda por agrotóxicos. No geral, partem de casos localizados, como em Luz (Minas Gerais), Venâncio Aires (Rio Grande do Sul) e no Mato Grosso do Sul.

Na exposição crônica (pequenas doses ao longo dos anos), trabalhadores rurais e habitantes de zonas agrícolas são vítimas preferenciais. Estudo recente da UFMT apontou a prevalência da depressão e de outros distúrbios comportamentais, que estão na cadeia causal do suicídio, em municípios do Vale do Rio Juruena. Em 20,8% das famílias registrou-se a incidência de “transtornos psicológicos”.

O Ministério da Saúde indica que o suicídio costuma resultar de perturbações psicológicas, assinalando que a exposição aos agrotóxicos, ao lado de outros fatores, fragiliza a vítima. O Instituto Nacional do Câncer relaciona entre os agravos neurológicos dos venenos organofosforados efeitos comportamentais e uma variedade de sequelas psiquiátricas.

Embora o suicídio seja um fenômeno complexo, a exposição ao veneno não deve ser ignorada na análise do recente crescimento de casos de suicídios no Centro-Oeste. O Datasus registra crescimento de 700% no número de mortes relacionadas à depressão, no Brasil, entre 1996 e 2012, período que coincide com o incremento de 190% no uso de veneno. O Ministério da Saúde contabilizou 11.433 suicídios em 2016, totalizando 106.374 casos de 2007 a 2016, sendo que a taxa anual de suicídios cresceu 16,8%, indo de 4,9 para 5,8 para cada 100 mil habitantes, já sendo a 3ª principal causa de morte de homens dos 15 aos 29 anos.

A intoxicação, por veneno e remédios, é o principal meio utilizado nas tentativas de suicídio, e também representa a metade das 470 mil intoxicações notificadas. Todavia, o Ministério da Saúde alerta para a invisibilidade do problema pois, segundo a OMS, apenas 2% dos casos de intoxicação por venenos são registrados. Mesmo no caso do Paraná, Espírito Santo, Tocantins, Minas Gerais, Pernambuco, Goiás e Tocantins, o crescimento dos registros de suicídio provavelmente reflete a atuação mais efetiva da vigilância em saúde dos Estados.

A Unicef, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Academia Americana de Pediatria alertam para o aumento das evidências epidemiológicas que ligam os agrotóxicos à diminuição da função cognitiva e a problemas comportamentais. Além da ingestão do veneno com propósitos suicidas, há preocupação com os distúrbios comportamentais que podem levar ao atentado contra a própria vida.

Essas evidências levaram a ONU a alertar para a situação de urgência na saúde pública em razão dos riscos dos agrotóxicos e a estabelecer a meta de redução de 10% nos suicídios até 2020, como parte da Agenda Global 2030.

É importante não perder de vista, como assinala o Papa, que tudo está conectado. A Fiocruz indica o tabu, com origem em fatores culturais e religiosos, como um dos obstáculos ao enfrentamento da complexa cadeia causal dos suicídios.

A questão dos suicídios e a correlação com os agrotóxicos precisa ser estudada e debatida. Não se pode ignorar que o Brasil segue tolerando e incentivando o consumo de venenos banidos da União Europeia e dos EUA.

O título desse texto poderia ter da cor vermelha, ou preta ou roxa, conforme a liturgia da Igreja Católica, que tem uma relação controversa com o suicídio e atribui às cores, respectivamente, o significado de: martírio e caridade; luto; e recolhimento.

Mas o amarelo foi a cor escolhida para a campanha de prevenção ao suicídio: Setembro Amarelo, inspirada no jovem americano que em 1994 deu fim à própria vida num Mustang amarelo. Setembro nos convoca à reflexão, à sensibilização e ao apoio às pessoas que enfrentam o desespero da situação limite. A consideração de que a crescente e insana exposição ao veneno agrícola está na cadeia causal dos suicídios precisa entrar no pacote de reflexões. A opacidade e a manutenção de tabus não têm contribuído para que a situação melhore.

Ouça agora nossos amigos Bela Gil e Rogério Dias no palanque da Câmara dos Deputados em Brasília/DF

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Pro AMANHÃ ser diferente, ele precisa começar a ser construído AGORA. Não é sobre o fim da agricultura convencional da noite pro dia. É sobre um país que, ao menos, vislumbre modos de produção mais saudáveis e justos com a natureza e as pessoas. Esses modos já existem, como é o caso dos milhares agricultores familiares que adotaram a agroecologia, mas os movimentos que vemos hj são contrários a esse avanço. Esperamos por projetos de soluções verdadeiras pra sociedade, e um deles tá mto perto disso e já tem nome: PNARA (política nacional de redução dos agrotóxicos). @campanhacontraosagrotoxicos @greenpeacebrasil #chegadeagrotoxicos #pnarajá #nãoaoPLdoVeneno Mais sobre isso nesse discurso que fiz no Plenário da Câmara dos Deputados.

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Leia também: Larissa Mies Bombardi e os mapas dos agrotóxicos

(*) Leomar Daroncho é procurador do Trabalho e diretor geral do Ministério Público do Trabalho. Email: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.


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